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sábado, 15 de setembro de 2012

pra aquecer

Eu me apavoro toda quando ouço alguém dizer que a chama apagou. Que ventania é essa que começou a destruir tudo tão de repente? Dá vontade de fugir com você pra uma cabana quentinha com lareira e tudo mais, só pra garantir que nada vai nos esfriar. Mas às vezes acho que estamos envolvidos por uma capa antitérmica, cumplicidade que aquece, cobertinhos de amor da cabeça aos pés. Se você tem o poder de vencer a gravidade e me fazer ficar voando por aí feito pluma, deve também ter o controle sobre o tempo, então tá tudo certo. Mas aí essa tal chama volta a me preocupar, te pergunto quanto tempo vai durar a nossa e você diz "não se preocupe, ela nunca vai se apagar, vou passar a vida cuidando disso", entre beijos sinceros. Fico desmanchada com a resposta e encontro teu abraço forte tentando me manter sólida. Tem algo diferente entre nós dois, um diálogo completo através dos olhos, um querer bordado na pele, como posso eu duvidar? Aí bem cedinho você levanta pra me fazer feliz, é sua missão. Prepara um café doce do jeito que eu gosto e me acorda: "trouxe duas coisas pra você se sentir aquecida. Um café e um amor, os dois bem quentes". Não há nada que apague isso, estou em paz.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

cor de saudade

De nada valem as cores pra um artista que perdeu a inspiração. Rabisquei o mundo inteiro de cinza depois que te vi colocar nossos sonhos na mala do adeus, descobri várias tonalidades de dor. Você ficou estampado em todos os vazios, mas tudo é vazio. Tudo é você. Agora eu desço de escada pra não ter que sorrir pros vizinhos no elevador, não quero enganar mais ninguém, já minto pra mim mesma todas as manhãs e basta. Esse mau jeito nas costas é falta do seu abraço apertado estralando minhas costelas, botando tudo no lugar. O silêncio tá demais, faz chover pelos olhos uma água que não lava alma, só arde as feridas. E eu vou puxando as casquinhas do machucado lembrando de como era gostoso ser sua musa, azul do mar salgando minha boca na sua pele, amarelo da lua testemunhando poesias sussurradas, nossas cores virando uma só. Amor-arte reduzido a borrão, ponto final com cara de reticências, saudade danada do seu cheirinho no travesseiro. Tem como voltar não? Eu apago aquela tinta desbotada, deixo as telas branquinhas pra gente pintar de novo. Quero fazer do nosso amor a paisagem mais bonita, dizer eu te amo em todos os tons, milhões de clichês pra te mimar.
Esse céu tá triste é de ver a gente separado, pode não. Nós somos a combinação de cores que resulta no azul bonito que colore os dias, que faz verão, que traz amor.

sábado, 25 de agosto de 2012

encontro marcado

Estranho Natural by Maria Gadú on Grooveshark
 Tudo aquilo era inédito pra nós dois. O sentimento, a sintonia, o querer. Às vezes, eu percebia que alguma coisa a intrigava sobre mim, ela fazia perguntas demais, com jeito de quem procura por uma resposta específica. Brincava sozinha com as minhas mãos, tentando encontrar simetria entre nossas linhas. É daquelas mulheres que acreditam em destino e horóscopo. Eu não sei bem em que acredito, mas acredito em muito mais coisa desde que ela chegou. Quis entender o que passava em sua cabeça quando me olhava daquele jeito enigmático. Ela soltou uma risada gostosa, "você quer mesmo saber?". Respondi que sim e minha ansiedade provocou outra risada. "De alguma forma, eu já sabia sobre você antes de nos conhecermos. Eu sei que parece absurdo, mas todo esse tempo eu passei esperando por um homem que é você, exatamente você. Não é que você cumpre com as minhas expectativas românticas, você é fiel a elas, sem tirar nem por. E isso me deixa muito curiosa, cada coisinha que eu descubro me prova que você é ele, ele é você, eu já sabia. Eu passei a vida acreditando que eu projetava minhas vontades em um ser irreal, de repente estou acordando ao lado dele, tão humano. Você acredita nisso? Mas seus olhos, a forma do nariz, o jeito de falar, de sorrir, o toque, a personalidade, seu nome. Nada disso é novidade, eu já esperava por cada detalhe seu. A verdade é que aquele dia em que nos vimos pela primeira vez, eu passei a noite em claro tentando me convencer de que era delírio meu. Mas aí a gente passou a se ver sempre e os dois querendo tanto isso. Eu larguei a desconfiança e aceitei que desde a minha infância, você tá aqui comigo. Recusei os outros, fantasiei histórias e esperei. Às vezes impaciente. E acho que mesmo de longe, você soprava no meu ouvido que eu deveria ter paciência, acho que você também sabia sobre nós. Eu te amo muito por isso." Eu sabia que era verdade, envolvi meus braços em sua cintura e confessei "você nunca me foi estranha, pequena". E ao dizer isso, arranquei o sorriso mais lindo do mundo, tão grato por ter encontrado o meu.  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

despedaçada

Hey Jude by "The Beatles 1" on Grooveshark 
 Eu me peguei sorrindo sozinha, na fila do pão, todo mundo me julgando louca. É que o rapaz na minha frente tinha o seu jeito, não sei exatamente o que, mas tinha. Vê-lo era como te encontrar por acaso pela manhã e isso me faria tão bem que só de imaginar fiquei boba. Tirei o celular do bolso a procura de algum sinal, mas não tinha nada, ainda era terça-feira. Engraçado, não há lugar nessa cidade em que eu não trombe com um pedacinho seu: olhos, sorriso, formato do rosto, o cheiro do perfume. Alguém me disse que o nome disso é saudade, mas eu prefiro chamar de loucura. Se eu te contasse isso, você me olharia com aquele ar de reprovação que quer dizer "você está apaixonada" e isso me magoaria demais, então prefiro guardar pra mim. Tenho ouvido muito aquele álbum dos Beatles que estava na mesa do seu quarto da última vez que estive lá. Não sei, mas escutar essas músicas faz lembrar sua voz cantarolando debaixo do chuveiro, dá uma saudade. Eu passo os dias procurando por você em estranhos e as noites juntando os meus caquinhos, partes minhas que se perdem entre seus lençóis amarrotados cada vez que eu sou sua sem receber muito por isso. Fico aflita durante toda a semana, até que sexta-feira você me liga e diz que quer me ver. Em um primeiro momento, eu não penso em nada, nem respirar eu consigo. Depois tento ser forte e dizer "já tenho compromisso", pra te botar uma pulga atrás da orelha, na esperança que ela possa te convencer de que não é justo eu ser mais uma. Mas me rendo. Fraca, burra. Já estou mais uma vez no seu apartamento, sendo coroada rainha-da-sucata por viver catando seus restos e fazendo deles a minha alegria, passageira. Você diz que não pode prometer nada ainda, eu entendo, sou compreensiva. Então você beija a minha testa antes de dormir, diz algo fofo no meu ouvido e isso é tão mais romântico do que costumamos fazer, eu me desmancho toda. E são essas migalhas que me sustentarão durante a próxima semana, enquanto eu continuo te multiplicando em mil pedacinhos por aí, sonhando em, um dia, ter você por completo, só pra mim. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

reencontrar


Esconderijo by Ana Cañas on Grooveshark
 Encolheu-se em um cantinho qualquer como se desejasse dar um abraço apertado em si mesma. Proibiu que a tristeza tomasse forma líquida e engoliu todo o choro daquele jeito que faz doer a garganta. Estava mal por ver mais uma desistência diante de seus muros altos; revoltava a presença daquele muro maldito. Saiu de casa e trancou a porta como se tentasse prender ali todos os seus medos idiotas, queria voltar e não encontrá-los mais. Caminhou pela rua chutando todas as pedrinhas do chão, tentou fazer do final de tarde seu abrigo. Sentou em um banco de praça e sentiu-se especialmente invisível, observando todas as vidas que passavam por ela. Viu casais, famílias, solitários, cachorros. Sabia que estava errada e que não podia cobrar das pessoas o que nunca esteve realmente disposta a oferecer. Só queria encontrar a peça defeituosa e levar pra pessoa certa consertar. Mas questionava o significado de "pessoa certa", porque parecia mais uma ideia usada como esconderijo, prorrogação do agora. Ou não. Escondeu o rosto entre as mãos, não sabia mais o que pensar nem o que fazer nem como mudar.

Sentiu então uma mãozinha pequena tocar a sua e viu dois olhões pretos arregalados. Não soube o que responder quando a garotinha perguntou -"você tá triste, moça?". Quis dizer que não, mas as lágrimas não enganariam nem criancinha. "É que crescer dá medo, sabe?". Mas a pequena olhou com desdém e disse "quero ser grande logo, não vou ter medo de nada". Ela riu da audácia da garotinha e quis saber seu nome, mas foi atropelada por um "Você também não precisa ter medo. Quando alguma coisa te assustar, você tem que lembrar que já é grande e forte e beeeeeeem maior que o monstro". Ela riu de novo, estava recebendo conselhos de alguém com um terço da sua idade e estava gostando deles. A menina tocou seu rosto, encheu as bochechas em um sorriso doce e falou "você queria ser adulta como eu, queria andar o mundo todo, queria ser vista por onde passasse, queria um príncipe, queria conseguir que tudo fosse do seu jeito. Esqueceu? Você tem que conseguir, você me prometeu, moça". Ela olhou assustada para a garotinha e começou a reconhecer aquela coragem, aquela vontade, os olhões pretos. 

(...)
Acordou assustada no sofá, meio atormentada, sem saber o que era sonho, o que era verdade. Andou até o espelho do banheiro, viu dois olhos pretos e uma resposta simples: não precisava mudar, só precisava voltar a ser aquela garotinha audaciosa. Sem medos, sem muros, sem empecilhos... sempre acreditando no final feliz. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

[a]gosto de coisa boa

"Agosto é o mês do desgosto, sempre traz coisa ruim..."
 - e essa frase tão repetida por sua avó parecia ensurdecê-la enquanto encarava, sem reação, um calendário marcando o primeiro dia do mês. Decidiu rezar e pedir pra que nada de mal acontecesse a algum ente querido. Em seguida, começou a analisar sua própria vida e prever tudo o que de terrível viria por aí. "Aposto que vou perder o emprego" - mas logo concluiu que isso não seria tão grave, pois há tempos está insatisfeita na empresa, querendo atuar em sua própria área, começar uma carreira de verdade. "Já sei, vou continuar solteira" - mas lembrou dos últimos relacionamentos e entendeu que talvez fosse melhor mesmo, porque sua vida amorosa tem sido um desastre desde a adolescência, quando terminou o namoro por causa do intercâmbio. E de tanto pensar, percebeu que embora tivesse saúde e isso fosse o principal, o resto estava completamente fora do lugar. "Nada tem dado certo! Talvez agosto seja um mês maravilhoso para os azarados". E criando uma nova lenda, sentiu-se encorajada. Ligou para a academia e pro salão de beleza. Marcou várias entrevistas de emprego e decidiu aprender uma nova língua. Combinou de sair com algumas amigas e, por acaso, encontrou aquele namorado, Augusto, que havia trocado pela Austrália quando mais nova. Conversaram sobre o passado, sobre o presente e em alguns dias já falavam sobre o futuro. O mês foi passando repleto de realizações, mesmo com gato preto, sapato virado e espelhos quebrados. Mas a fase boa não era sorte, era consequência. E ao se convencer disso, ela parou de temer setembro. Agora, sempre que alguém diz "ainda bem que agosto está acabando", ela ensina que pra atravessar esse mês, é preciso carregar no peito dois amuletos: a fé e a coragem. As coisas são do modo como as enxergamos: agosto é mês oito e oito deitado é infinito. Só algo maravilhoso pode ser infinito. Azar existe pra quem não acredita que é capaz de escrever a própria sorte.

sábado, 28 de julho de 2012

Sem destinatário

Valentine by Kina Grannis on Grooveshark 
Decidi escrever porque tenho sentido sua falta nos últimos dias. Ainda me pergunto o motivo de sua ausência. Não sei ao certo o que insiste em nos impedir e queria que você tivesse as respostas certas para tudo isso. Mas escrevo mesmo para contar que não há uma noite em que eu me deite sem desejar uma mensagem sua de boa noite. Lembro-me então que ainda não trocamos o número do celular e me contento em pedir pra sonhar com sua risada gostosa. Passo alguns minutos brincando de faz-de-conta-que-estamos-juntos e essa mentira mais parece uma canção de ninar, tão linda que traz sonhos bons. E nesses sonhos eu vejo todos os aqueles outros, menos você. Acordo e imagino como será seu dia, mas logo deduzo que assim como o meu, ele será incompleto. Será que você sabe o que falta nele ou está bem assim? Tem saído com alguém? Desculpa, não deveria estar me intrometendo. Mas e sua mãe? Sinto falta da amizade dela, sempre tão amável. Sinto falta do seu pai também e daqueles momentos em que ele, meio embriagado, dizia que eu era como a filha que ele não teve. Às vezes me pego sentindo uma saudade danada do seu tempero e da sua mania de cozinhar metido a chefe, rindo da minha falta de jeito na cozinha e das minhas lágrimas causadas por cebolas mal picadas. Em vários momentos você me vem, com sua proteção, suas aventuras repentinas, seus projetos da faculdade (em grego pra mim), seu jeito de me mimar e afagar meus cabelos. Penso na nossa confiança mútua, no seu ciúmes forçado tentando me fazer sentir especial, na sua paciência infinita que me tornou mais tranquila, em nós dois e nossos segredos inconfessáveis. Sempre que passo por uma escolinha, lembro do quanto você planejava levar o nosso casal de gêmeos pro primeiro dia de aula e pra primeira visita ao mar. E passo a nostalgizar o que ainda nem vivemos. Aliás, é o que eu faço sempre. Então o real motivo dessa carta, é te convencer a tornar isso realidade. Acredito que o momento certo a gente é quem faz e que você aqui tornaria algumas coisas mais fáceis. Então se você puder se apressar, eu ficaria agradecida e muito contente. No verso da página estão meus telefones e endereço, pra facilitar. É isso.
Com amor, sua Ju


ps: esqueci que não tenho seu endereço e que não nos conhecemos, se é que você existe.